segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Se eu morrer novo...









Se eu morrer novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Alberto Caeiro

3 comentários:

Rui disse...

«Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.»

Impressionante. Incrível a facilidade que este homem tinha de VER.
Uma lucidez assombrosa e respectiva capacidade de a exprimir!

Rui disse...

P.S. - Catarina, obrigado por me dares a conhecer esta perola.

*

Catarina disse...

Se é o amor que dá cor aos nossos olhos... então creio que os campos devem ser igualmente verdes para todos nós. Todos nós nos lembramos de alguém que nos ama. Provavelmente à sua maneira, não à nossa, mas que nos ama.

Mas às vezes - às vezes, vezes demais - esquecemos o amor daqueles que estão aqui, para nos fixarmos no desamor daqueles que nunca aqui estiveram. E deixamos a cor fugir. E deixamos que campos verdes e floridos se tornem baços aos nossos olhos.

Sentir. Sentir o amor que nos dão. Sempre será estar vivo.

Ouvir um riso de alegria de um filho.... Sentir um abraço apertado de um amigo.... Quem poderá sonhar campos mais verdes?...